Porto Alegre: ponha-se no seu lugar
Esta semana eu li uma notícia que informava que Porto Alegre tem o maior número de adeptos de religiões de matriz africana do país. Para quem mora na cidade e tem, evidentemente, um olhar um pouco mais sensível, para além de seus próprios muros, esta notícia não surpreende.
Uma suposta branquitude de Porto Alegre é senso comum equivocado e enraizado em narrativas históricas e culturais seletivas que ignoram ou minimizam a presença negra na formação da cidade. Isto sequer precisa ser estudado: para perceber isso basta viver na cidade.
Lembro quando cheguei por aqui, há mais de duas décadas, o quanto me marcou tudo isso. Era impressionante para mim ver a movimentação de pessoas nas quadras das escolas de samba, todos os finais de semana, e a quantidade de centros culturais aqui existentes, como o Afrosul Odomodê e o Sopapo Poético.
São dezenas de coletivos e organizações de pessoas negras. Tem o Afronte!, a Negressência, o Coletiva de Estudantes Indígenas e Quilombolas, Coletivo de Escritoras Negras, a Associação Satélite Prontidão. A própria Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) tem um núcleo antirracista e importantes pesquisadores e escritores, como Jeferson Tenório e José Falero.
Isto sem contar os inúmeros quilombos existentes na cidade, como o Areal da Baronesa, um dos mais importantes do Brasil, onde descendentes de escravizados lutam pelo direito à memória. Aliás, diversos bairros de Porto Alegre têm importância histórica para a população negra, e um importante exemplo é o bairro Ilhota.
Como se não bastasse o Sport Club Internacional, de Porto Alegre, tem uma história marcante em relação à inclusão de jogadores negros e à diversidade da sua torcida. O Inter foi um dos primeiros clubes grandes do Brasil a aceitar jogadores negros, algo que era tabu em muitos clubes à época.
Porto Alegre tenta se fazer europeia, mas há um outro lado profundo e verdadeiro: somos resistência. Se você não sabe venha à cidade no feriado de iemanjá e entenderá tudo isso. Não há procissão maior na cidade e talvez no Brasil. Quando vier não deixe de visitar o Museu do Hip Hop, um dos únicos do mundo voltados a esta cultura, localizado na Vila Ipiranga. Quando certamente você vai escutar, à tardinha, os cultos praticados nas centenas de terreiros da capital.
Portanto, Porto Alegre, ponha-se no seu devido lugar.