
De todos os livros que li na vida, alguns ocuparam lugar incomum. E desses poucos, um passeia comigo até hoje por aí, regulando o meu olhar — não apenas dos lírios do campo, mas, especialmente, de meu abismo interior. Foi o caso de Olhai os lírios do campo, do Erico Verissimo.
Jamais me esqueci da primeira vez que li. Eu esperava um romance qualquer, talvez uma saga gaúcha ou, na pior das hipóteses, um novo livro do Erico. Mas me deparei com algo mais profundo: um espelho. Um espelho meio embaçado, é verdade, mas que aos poucos foi tornando-se tão nítido que não revelou apenas o rosto de Eugênio Pontes, mas também o meu.
Eugênio, com suas escolhas, suas ausências e seus arrependimentos, parecia falar por muita gente que conheci — e, em certos momentos da obra, por mim mesmo. Aquela busca desenfreada por status, a vergonha das origens, o desprezo por sentimentos em troca de aparências: quem nunca, nem que por um breve instante, traiu seus próprios valores tentando caber num mundo que não o reconhece?
Olívia, por sua vez, é dessas personagens que a gente gostaria de ter como amiga, ou até mesmo como consciência. Ela faz lembrar do que há de mais humano na terra: a compaixão, o cuidado e o amor. Quando ela adoece, algo dentro de mim é fortemente impactado — como se o livro me dissesse que é possível, sim, viver de maneira verdadeira, mas que isso exige coragem.
Olhai os lírios do campo me ensinou que muitas vezes o que precisamos não é conquistar o mundo, mas reaprender a enxergar. Olhar para o outro, para dentro de si, para as coisas simples. Por isso hoje, quando sou questionado sobre qual foi a melhor leitura que fiz na vida, respondo sem hesitar.
E não porque seja o mais complexo, o mais premiado, ou o mais comentado livro do Erico. Mas porque, ao final, fechei a última página da obra em total silêncio. E com a nítida sensação de que isso não aconteceu pela falta de palavras, mas porque, naquele exato momento, eu escutava profundamente a mim mesmo.
Alexandre Schumacher Triches é advogado, professor e escritor. É autor de obras jurídicas e literárias, dentre elas Sessenta Minutos Direto de El Dorado, publicado pela Editora Juruá, em 2015, além de articulista em sites e jornais. Tem poemas, contos e crônicas publicadas em antologias e coletâneas. É membro da Academia de Belas Artes do Rio Grande do Sul e da Academia de Artes, Ciências e Letras Castro Alves. Integrante do coletivo Poemas à Flor da Pele.