
A fronteira entre o direito e o privilégio é tênue. É quase como uma ponte, em região de fronteira, sem qualquer controle policial ou aduaneiro, e em que se pode transpor a hora que bem desejar. Claro que ninguém admite ter privilégio — privilégio é sempre o do vizinho, do colega, daquele outro grupo.
Esta linha divisória é tão fina que nem o GPS da moralidade consegue localizar com precisão. Aliás, se indignar virou quase um direito também. Ou seria um privilégio de quem tem tempo?
Veja bem: se o fulano estaciona na vaga de idoso sem ser idoso, é privilégio descarado. Mas se sou eu que estaciono, é porque “só fui ali rapidinho”. Se a outra recebe auxílio do governo, “é mamata”. Mas se sou eu, “é justiça social, reparação histórica”. Tudo acaba sendo uma questão de ponto de vista.
Quando falamos em cortar privilégios, todos concordam. Desde que não seja o seu. Cortar a gratificação? Claro! Mas a minha, nem pensar — afinal, eu dei duro. Cortar auxílio-moradia? Com certeza! Menos o meu, porque fui aprovado no concurso público. A verdade é que todos temos o sagrado direito de exigir privilégios com cara de direito, assim como defender nossos direitos como se não fossem privilégios. Tudo pode ser uma questão de ponto de vista.
No fim das contas, talvez o maior privilégio seja justamente poder escolher o que é direito e o que é privilégio, conforme nossas próprias convicções. Afinal, é mais confortável manter essa fronteira aberta, sem fiscalização, onde cada um atravessa com sua carga de contradições: chamar de direito aquilo que me convém — e de privilégio aquilo que não possuo.
Equidade realmente é um conceito complexo.