
O Estrangeiro, de Albert Camus, conta a vida de Meursault, um homem que caminha pelo mundo como se nada tivesse grande importância — nem a religião, nem a moral, nem mesmo a tradição. Ele vive apenas o instante, não joga o jogo da vida.
Ontem, o livro me voltou à memória. No meu prédio, faleceu uma vizinha de longa data. Soube primeiro pelo zelador: uma queda na escada. À noite, a notícia definitiva — ela não resistira.
Cruzei com o filho dela no corredor. Era próximo das vinte horas. Ele era filho único. No corredor, quando o vi, carregava debaixo do braço as roupas da mãe, que levaria à funerária.
Disse-lhe algumas palavras de consolo, mas ele estava como Meursault: mergulhado no absurdo, no vazio, naquilo que não tem explicação. Foi como se tudo ficasse cinza. Nada mais fazia sentido naquele momento.
A morte nos visita assim: inesperada, brusca e sem lógica. Um tropeço, um tombo, e de repente tudo muda.
O mundo se transforma.
Em algo real.