
De manhã, ele saiu de casa e percebeu no meio do caminho: o celular tinha ficado em cima da mesa de cabeceira. Pensou em voltar, mas já estava quase no ponto de ônibus.
– Bah, deixa, um dia sem celular não mata ninguém, pensou.
No ônibus, descobriu que as pessoas ainda falam entre si. Descobriu também que o céu é azul, que os pássaros cantam e que dá para olhar pela janela sem precisar postar no Instagram. Chegou ao trabalho outro homem: cumprimentava todo mundo, prestava atenção nas conversas, até riu das piadas ruins do chefe. No almoço, mastigou olhando para o prato. O feijão tinha gosto de feijão! Passou o dia inteiro leve, calmo, quase iluminado.
À noite, porém, ao chegar em casa, a cena era digna de cinema. Encontrou bombeiros estacionados, vizinhos reunidos, polícia na calçada e até um repórter da TV local ajeitando o microfone. Uma vizinha jurava que havia visto ele sumir no centro. O síndico já estava discutindo se arrombava a porta, pressionado por sua esposa e filhos.
— Ele apareceu! — gritou alguém, como se ele tivesse ressuscitado.
— Onde você estava? — perguntaram a vizinha e as crianças, em prantos.
— Trabalhando — respondeu.
— É mentira, não pode ser, sem celular? Um dia inteiro? – questionou o zelador.
Ele ficou perplexo com o caos que o aguardava. Mas lembrou da manhã, quando decidiu não voltar para pegar o celular, e sorriu. Foi, de fato, bom. Percebeu que o problema não está no aparelho: é a humanidade inteira que, há muito tempo, entrou em modo avião.