
O aplicativo indicava para o motorista o destino da viagem e era para o pior canto da cidade. Para entrar lá só com farol desligado, luz interna acessa e com identificação, para o pessoal do tráfico. Muitos não iam. A maioria na verdade não ia. Mas ele pensou na oportunidade, queria alcançar a meta que havia estabelecido para a madrugada o mais breve possível, para poder ir para casa descansar.
A pessoa que chamava o aplicativo tinha apenas quatro viagens registradas no sistema, o que denota pouco envolvimento, e foi o suficiente para aumentar os seus batimentos cardíacos em duzentos por cento. Como se não bastasse, o modo de pagamento escolhido, por quem chamou o aplicativo, foi o dinheiro em espécie. Tudo indicava cilada.
Ao chegar no ponto da chamada o passageiro entrou no carro, tinha em torno de trinta anos. Mas quando viu, e de supetão, entrou um segundo homem, no banco da frente, que parecia ter idade próxima. Ninguém falou nada. Estava tudo muito estranho.
Na verdade estava arrependido. Bastou a viagem iniciar e tudo o que queria era se livrar o mais rápido possível daqueles passageiros, pois dava como certo a sua rendição. Todo dia lia notícias sobre assaltos e sequestros naquela região. Por que havia aceitado, ruminava.
Foi quando um dos passageiros, do banco de trás, enviou um áudio e disse:
– Oi mãe, estamos quase aí. Está indicando aqui que dentro de 35 minutos chegaremos.
Bom… quem iria pensar que as duas da madrugada um marmanjo, junto com outro marmanjo, ligaria para a mãe para a avisar que “estava chegando”. Improvável, ainda mais naquele canto da cidade. Isso serviu para piorar ainda mais as coisas. Já meio que dava como certo que a tal de mãe era, na verdade, um comparsa do crime. E que o esperaria no local de destino para, junto com os dois passageiros, dar o golpe fatal.
Será que ficaria de cueca? Ou iriam matá-lo? Como iria pedir ajuda, caso sobrevivesse? Foi quando o aplicativo indicou 6 minutos e, desta vez, o outro passageiro, o da frente, pegou o telefone e efetuou a chamada. Disse:
– estamos há seis minutos daí, mãe, ok?
O motorista entrou na Silveira Martins, dobrou a Euclides Marinho, seguiu em linha reta por três quadras e, após o Mercado Adonai, virou à direita, chegando ao destino final.
Estava incrédulo.
Parado ali, ainda com os dedos trêmulos no volante, ele tentou entender como sobrevivera à própria imaginação. O coração, que ainda martelava como se anunciasse o fim dos tempos, começou a voltar lentamente ao ritmo habitual.
A senhora, a tal da “mãe”, com seu chambre florido e de pantufas, abraçou e beijou os filhos. O motorista observou a cena, pasmo quando ela disse aos meninos:
— Vocês não têm vergonha? Onde se viu chegar a essa hora em casa?