
Na prateleira da loja de conveniência, entre a máquina de aquecer os pães e o amontoado de isqueiros e demais itens de tabacaria, seu Nicanor fazia sua escolha com a calma e a precisão de alguém que dirige um caminhão na estrada, com uma carga perigosa, sob o limite de velocidade de 10km/h. Não era uma questão de marca. Marlboro, Derby, Free – tudo dava no mesmo, dizia ele. O que importava mesmo era a foto.
— Tem com a mulher do pulmão preto? — perguntou ao balconista, que já o conhecia de outras situações como essa.
— Hoje só chegou o do senhorzinho com a perna amputada, o da gengiva sangrando e o da criança entubada — respondeu Jonas, o atendente, empilhando os maços como se fossem cartas de um baralho.
Seu Nicanor torceu o nariz, coçou o queixo.
— A da gengiva é horrível. Me tira o gosto. A do velhinho sem perna, eu até levo… mas a criança entubada, Deus me livre. Me dá uma angústia que nem o cigarro resolve. Já a do pé… bom, dá tempo de tratar. Um curativo, uns dias de molho, e segue o baile.
As pessoas próximas, na fila e ao redor, riam, fascinadas com a lógica torta do velho fumante.
— Mas tu acha que cada maço te dá uma doença diferente? — perguntou um cliente que aguardava na fila.
— Não custa tentar se precaver. Vai que funciona? Eu evito os mais agressivos. Nunca se sabe.
Jonas já nem oferecia mais as marcas. Sabia que seu Nicanor fumava todas. O que mudava era o aviso do Ministério da Saúde.
— Leva o da perna amputada hoje — disse, entregando o maço. — Tá com cara de sexta-feira leve.
— Não… me vê o da senhora sem dente — respondeu o velho, com um meio sorriso.
E saiu, com o cigarro no bolso e um estranho consolo no coração: o de que, entre todos os males, talvez tivesse escolhido o menos pior.