
Eu tive um cachorro que adorava ouvir jazz. Sério mesmo, não estou brincando, descobri isso com o tempo, pois eu ouvia de tudo, mas quando entrava o jazz ele mudava. Era perceptível que ele apreciava aquilo de forma diferente, em demasia. Bastava eu colocar o som e ele virava de lado, levantava o ouvido, seus olhos ficavam mareados. Quando via ele estava delirando, com a barriga pra cima. Parece que estou vendo ele, lembro como se fosse hoje. E quando eu desligava a música ele suspendia tudo imediatamente e vinha até mim, ladrava ininterruptamente, lambia o aparelho de som desesperadamente, até eu recolocar a musica, quando então ele voltava para a posição original.
O detalhe é que com o tempo eu fui notando que não era qualquer músico de jazz que ele apreciava. Ele gostava mesmo era do movimento dos anos cinquenta. Sim, o Fred só curtia cool jazz. Bastava eu botar um fusion, um bebop, dixieland… nada. Nem o swing ele tolerava. Agora, quando eu colocava um Stan Getz, meu deus. Também o Chet Baker, Paul Desmond, Bill Evans, Dave Brubeck… ele enlouquecia.
Aos poucos fui me dando conta desta particularidade do Fred, foi quando resolvi mostrar para ele a música brasileira. Comecei com o Tom Jobim e o João Gilberto. A identificação dele com estes artistas foi imediata. Anos depois fui me dar conta: muito provavelmente ele se identificou com a bossa nova porque ela era essencialmente o jazz brasileiro, ou o Brazilian jazz, como gostam de referir, com suas harmonias e dissonâncias. Não é a toa que os discos que ele mais gostava eram aqueles produzidos pelo Nelson Riddle e pelo Claus Ogerman. Eu conto para meus amigos e eles não acreditam, dão risadas.
Um dia pensei até em levá-lo para um sarau, mas desisti. Imagina o vexame se ele resolvesse vaiar (leia-se ladrar) para o pianista? Porque este não improvisava bem aos moldes dos anos cinquenta? Ou então se chegássemos lá e o conjunto musical fosse composto de guitarra? Ele não aceitaria.
Já faz mais de dez anos que Fred se foi e ainda penso nele. Pelo simples fato de que no fundo ele era um grande crítico de música, desses que não toca nenhum instrumento mas que sente tudo.
E fico pensando se ele estivesse ainda entra nós, o que será estaria ouvindo?
Jamais saberemos.