
Muitas vezes, ao receber uma tele-entrega em casa, cumprimentar o motoboy com um simples “bom dia” ou “obrigado” parece provocar estranhamento. Talvez você pense que estou sendo arrogante ou metido a sabichão — como se eu me achasse superior por me dar ao trabalho de cumprimentar alguém que, na percepção social, costuma ser invisível. Nada disso: não é de hoje que percebo a frequência rara desses pequenos gestos de reconhecimento.
Os motoboys são constantemente invisibilizados pelo sistema. O trabalho que realizam, essencial para o funcionamento cotidiano da sociedade urbana, é desvalorizado. É como se eles fossem robôs. E digo robôs porque não posso dizer cachorros: normalmente os cachorros são mais bem tratados do que os motoboys.
Cumprimentar um entregador, portanto, não é um gesto de superioridade, mas um ato de humanização. Refiro-me a cumprimentar de verdade: com atenção, olhando nos olhos, reconhecendo a pessoa que existe por trás do serviço. Parece simples, mas não é. O sistema não quer que seja.
Essa experiência cotidiana evidencia uma tensão central na sociedade contemporânea: a coexistência entre a visibilidade econômica e a invisibilidade social. Enquanto o trabalho dos motoboys é fundamental para manter o ritmo da vida urbana — entregas de alimentos, medicamentos, documentos —, eles permanecem marginalizados nos olhos da sociedade. Coisas de nosso tempo louco. É por isso que gestos simples de educação, como um cumprimento ou um agradecimento, tornam-se revolucionários.
Acredito que num mundo tão fluido, a verdadeira revolução nasce no âmbito individual. É quando cada um de nós se permite agir em coerência com aquilo em que acredita, defendendo seus valores no cotidiano, nos pequenos gestos. Não se trata de pensar no global, mas de afirmar o pessoal — e de confiar que, na soma de tantas escolhas individuais, pode emergir uma transformação coletiva.
É nisso que penso quando recebo estes trabalhadores na minha casa. Esta é, há muito tempo, a minha revolução pessoal.