
Luiz Fernando Verissimo chegou no céu como quem chega atrasado a um evento importante: olhando para os lados, com aquela sensação incômoda de que estão lhe reparando.
— Deve haver algum engano — disse. — Sempre fui ateu.
O anjo da recepção folheou a prancheta e respondeu:
— O senhor é o filho do Erico, certo? Está aqui, ó. Nome, sobrenome, CPF. O senhor está na lista.
O escritor estava incrédulo. Não conseguia acreditar que, de fato, estava na porta do céu. Suspirou. Para um ateu, estar no céu foi um desengano danado. Foi quando o anjo falou:
— Pois é, acontece bastante. O céu está cheio de ateus.
Verissimo ficou surpreso e ao mesmo tempo intrigado. O anjo riu e foi lhe entregando as sandálias celestiais. Veríssimo insistiu em sapatos normais, fazendo comentários do tipo: “não tenho como usar estas sandálias”, “tem tanta gente na fila do INSS”, “eu sou comunista”.
Assim entrou desconfiado no céu — e logo ficou impressionado: realmente o reino de deus existia. Como se isso não fosse suficiente, logo na entrada deu de cara com ninguém menos que a inesquecível Velhinha de Taubaté. Desde 2005 não se viam por razões óbvias: a Velhinha faleceu em 2005, aos noventa anos de idade, em decorrência do escândalo do mensalão. Perdeu a fé na política diante das denúncias de corrupção envolvendo o governo do Lula.
Enquanto isso, aqui na terra, José abre um livro de Verissimo, na Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre. Tem vários na Biblioteca Comunitária Leverdógil de Freitas. É sábado e graças ao projeto ele lê quase todos os dias. Poucos sabem o mundo em que ele vive, mas ele descobriu que o riso pode tornar a vida mais leve. Que há algo subversivo nessa descoberta. E que o mundo é muito maior do que o bairro onde ele vive.