
Durante anos ele mantinha o costume de vir ao escritório sozinho. Sempre com aquele ar de quem o mundo havia esquecido num canto da fila da vida. Confesso que ele sempre mexeu com a minha imaginação: o que ela estaria fazendo em determinados momentos, como num sábado de manhã, por exemplo. Ou numa quinta à noite.
Mas isso é assunto para outro momento.
O que quero contar é que sempre que ele vinha ao escritório chegava de mansinho, e sempre falava baixo. Isso aconteceu por dezenas de vezes. Era presumível de que não tinha ninguém por ele. Nunca falou de esposa, filhos, genros ou cunhados. Era um homem solitário. Mesmo diante da doença, sempre se mostrou autossuficiente.
Pois bem. Eis que um dia chega a notícia: o Paulo Roberto faleceu. Foi aquele susto, que sempre dá quando alguém próximo da gente vem a morrer. Um silêncio respeitoso, um minuto de reflexão.
Mas, antes mesmo do café esfriar, o milagre genealógico aconteceu: brotaram herdeiros, de tudo que é canto. Um verdadeiro renascimento familiar.
Paulo, que não tinha ninguém, derrepente virou patriarca. Vieram filhos de primeiro e segundo. Um deles jurava que morava com o pai, outro dizia que mandava dinheiro, e uma terceira afirmava que era a filha do coração. Até um suposta ex-esposa apareceu.
Deu briga, feia.
Ah… o poder da herança — tão ressuscitador quanto o amor de mãe.